segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Etéreo

"Não quero mais saber de lirismo que não é libertação"
Manuel Bandeira


Meu futuro é um borrão estranho e disforme e esquisito onde não vejo nada menos do que tenho pretensão de ver. É um vórtice de espaço-tempo onde gravita apenas minha inconstância inerte e inerente à matéria do meu curioso ser. É uma tela de mil por mil metros onde enxergo tudo preto branco vermelho e colorido até demais, meio igual aos sonhos, meio igual à realidade, um pouco de pintura abstrata e voilà, quem sabe Pablo Picasso não tenha iniciado nesta tela seu maravilhoso cubismo em sua fase rosa? Ou quem sabe, não. Ou quem sabe, quem sabe?

É difícil perguntar a algum míope como ele se enxerga: para fazê-lo com nitidez, só tendo óculos muito bons ou estando perto do espelho. Descartando neuroticamente a hipótese dos óculos (salva-me do oftalmo!), prefiro deixar-me aproximar do espelho. Problema é que estando o espelho muito longe, tenho apenas idéia do que não verei, mas não tenho idéia do que posso ver, em absoluto. Tudo o que não quero é ver-me numa casinha além do arco-íris dando casa comida roupa lavada passada e engomada para alguém que trabalha o dia todo e à noite brinca depressivamente com um cachorro vira-lata fofinho ao mesmo tempo que assiste ao Jornal Nacional e come inexpressivamente aquela mesma comida sem-graça de sempre, depois dá boa-noite e deita e dorme até a hora de o despertador tocar, obrigando-nos a repetir a mesma rotina tediosa e infernalmente cansativa, assim como ontem, hoje e sempre, amém.

Minha pretensão de ver não vai além de poucos sonhos quase-que-utópicos, ou como chamariam as outras pessoas (aquelas que se dizem normais), porra-louquice. Quero me ver amanhecendo num lugar completamente estranho e tão lindo e tão sonhado, com alguns poucos trocados no bolso e uma roupa que já estou há dias por trocar. E, ao olhar dentro daquela tão surrada e companheira bagagem, ver lá tudo o que quis: uma câmera fotográfica velha antiga preta-e-branca que já registrou a Torre Eiffel e o Big Ben e o Coliseu e o terrível temível esquecível Auschwitz, entre tantas outras inúmeras coisas a mais.

Quero fazer minha voz chegar a mil pessoas. Quero ir a mil lugares. Quero decorar mil textos e apresentar mil peças e falar mil idiomas. Quero conhecer mil pessoas. E ser extremamente compassiva com uma delas, apenas e nada mais do que uma delas, tão irritante e enjoativamente compassiva que a pessoa vai desenvolver uma birra mortal contra minha pessoa e nunca mais quererá me ver e nem chegar perto de mim, oh céus, porque fui compassiva: motivo banal, tão banal quanto pode ser a vida nesse emaranhado de estrelas chamado Via-Láctea. E ponto.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O mundo é cão, Sebastião.

Não sei ordenar belas palavras e nem escrever sobre coisas bonitas quando estou mal ou nem-tão-bonitas quanto estou meio-mal ou coisas más quando estou feliz ou qualquer coisa do tipo possível, imaginável, inimaginável, e blá. O fato é que não sei escrever. Não consigo, não flui, tenho um terível horroroso perigoso bloqueio mental continental interfluvial que gela. Meu senhor jesus maria josé, estou num bloqueio. HÁ. Parei de pensar, bip, câmbio desligo, bip.

E até que enfim, eu não aguentava mais ter que pensar em coisas bonitinhas e blá, coisas bonitinhas me enchem o saco, blás também me enchem o saco porque representam uma infinidade de idéias não-contínuas segmentadas em círculos ou espirais; aliás, espiral é o verdadeiro símbolo de infinito porque engloba tudo e não acaba. Adeus, oito deitado, tirei seu posto e passei pra uma espiral esquisita. Bip, câmbio desligo de novo, bip.

Há alguns dias parei de saber o que é jornal, apostila, juízo, lista de presença e blá. Estou num ostracismo opcionalmente desejado, ah como é bom não saber o que se passa no senado uma vez na vida. Pode me chamar do que quiser, mas eu digo, repito e treafirmo, desgraça enjoa. E puta merda, como enjoa. E a minha garganta dói e minha cabeça explode e meus sentidos estão cambaleando há três dias, e não é desgraça mas dói.

A Teka é um cão de Deus. Era tudo o que eu precisava ouvir. A Teka é um cão de Deus enquanto Bonzo é um animal cruel que dorme com uma camiseta velha do Iron Maiden. E tudo nesse mundo é um trio elétrico piscante, uma vez que estamos com as luzes de natal enfeitando a cidade, papais-noéis por todos os cantos distribuindo balas em caminhões de coca-cola, as lojas abrem até tarde encorajando todos a gastarem quatro horas a mais do seu dia e do seu salário, além das máquinas de churros que funcionarão até mais mais mais tarde do que de costume, afinal, a Teka é um cão de Deus, e Bonzo é fêmea. O pobre mundo está de cabeça pra baixo e ninguém parece se importar com cachorras que têm nomes de cachorros.

Passei o dia alimentada por cataflan, uma crônica do Ferreira Gullar e um pedaço pequeno de lasanha, e já são quinze pras cinco. Não estou de pijama, embora eu deseje isto ardentemente. Me ofereceram uma cerveja, não aceitei, maldito seja o juízo e a inflamação na garganta. Escrevo coisas sem sentido. Meu namorado não me ligou, o calor está escaldante e minha cachorra dorme no sofá, enquanto a minha mãe se delicia num banho provavelmente gelado. Como é bom não ter stress e poder falar qualquer porcaria que me vem à cabeça. Como é bom dormir sem acordar desesperada e sem ar no meio da noite, gritando Ê É IGUAL A ÊME VEZES CÊ AO QUADRADO! Como é bom pensar que toda esta porcaria de vestibular acabou e eu vou ter que me preocupar com isso só semana que vem, quando saírem as listas de convocação pra segunda fase. Como vai ser massante ler uma bibliografia monstruosa, preparar uma cena e recapitular matérias de três anos. Em um mês. Vai ser bom. Vai ser difícil. Mas dia vinte e cinco vou comer peru, e isso ninguém me tira da cabeça.

Bip. Câmbio desligo. Bip.
Parou de fluir.

domingo, 1 de novembro de 2009

Sinestesia da anestesia.

Há algum tempo atrás, no alto dos meus sapientíssimos catorze anos recém-completados, escrevi um texto. Pequenininho, bonitinho, sem nada além de alguns travessões e pontos. Literalmente. Chamei-o de Sinestesia: o que os olhos não ouvem, o coração escreve. O texto, utilizando-se apenas pontuação, descrevia situações comuns: pelo menos pra mim, refletia o que eu estava sentindo no momento. Era só pontuação. A história, os personagens, os lugares, quem fazia era você. Era como eu dizia a um amigo: a palavra escrita tem o sabor daquilo que queremos provar através dela. Ou seja: uma palavra e milhões de significados.

Pra ser sincera, não faço a mínima idéia do porquê de eu estar escrevendo isso. É, de fato, não sei. Talvez seja porque eu ando etérea demais ultimamente. É ele, ele de novo. Ele sempre. Por favor, senhor "homi da unicamp e da fuvest lá", me dá um tempo, vai. Tem tanta coisa mudando, eu estou mudando, o mundo tá mudando, meu pé crescendo, meu cabelo desbotando, meus amigos indo e ficando e voltando e dando voltas e mais voltas, minhas unhas coitadas sendo cruel e terrivelmente roídas por um nervosismo arraigado, meu namorado, meus pais, meu cachorro, tudo tudo tudo girando e rodopiando e caleidoscopicando a ponto de me enlouquecer e você aí, achando que é a única pessoa digna de atenção que existe na face da terra. Me poupe da sordidez de sua existência, senhor homi.

Já faz tempo que não consigo conviver com um duende sossegada, já faz tempo que não perco meu tempo na frente do computador, faz tempo que eu não dou uma hidratada no meu cabelo (que também preciso pintar e cortar), já faz tempo que eu não saio no meio da tarde pra ficar fazendo absolutamente nada em lugar nenhum, séculos e séculos que eu não sei o que é ler um livro até o fim (estou lendo três ao mesmo tempo! E o pior: os três que eu estou lendo merecem atenção individual e triplicada. Acho que vou tirar no palitinho.), enfim, se alguém aí ainda souber o que significa viver ou qualquer outro sinônimo pra isso, por favor, me chama.

É como dizia Vinícius: é melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe, é assim uma luz no coração... mas Vinícius, não lembro mais o que é isso. Vou ver a minha sinestesia de novo. Quem sabe não tem alguma coisinha pequenininha escondida por lá.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Por trás do Backstage*

Mrs. Dean, minha amiga, escreveu uma vez sobre certo grupo "pálido, extremamente pálido", num texto que intitulou "Backstage". E é sobre isso que quero tratar.

Dean sentiu na pele o que eu, Julia, venho falar aqui hoje. Sentíamos juntas. Mas éramos pálidas e extremamente opacas. Ou melhor, não éramos nada disso: mas faziam-nos acreditar que nunca brilharíamos. E nunca seríamos melhores do que Cecília. Ledo engano.

Vivi durante anos com promessas e dívidas. Muito aprendi, confesso, sobre arte e vida acima de tudo. Éramos confinados ao ar livre, éramos explorados a olhos vistos. A cada trabalho novo, uma esperança renovada, dedicação sem fim. E Cecília, a mimada e inatingível Cecília, apodrecia numa mortalha feita com tecidos caros (e os mais belos do espetáculo). Certa vez, ali, morara uma beleza sem tamanho, ofuscante. E de tão ofuscante cegou nossos mestres, que não enxergavam em seus olhos a corrupção que ali agora habitava, e a enalteciam mais e mais. Ela mandava, fazia o que bem entendia e nunca, nunca era capaz de demonstrar gratidão. E foi vivendo neste meio tóxico que, de certa forma, perdi uma parte da minha vida.

Perdíamos dias, noites, aulas e eventos trabalhando para terceiros. Éramos submetidos à tarefas que não nos diziam respeito, sob pena dos atos mais injustificáveis. Tomavam nossas criações, nossas obras mais impecáveis de nós. Trabalhávamos duro. Dávamos o nosso melhor. E pagávamos por isso. Pagávamos para sermos injustiçados, chorávamos às escondidas, desabávamos no colo dos mais confiáveis, mas nos mostrávamos fortes, forjadamente fortes. Levávamos desaforos de Cecília para casa e tínhamos que nos conformar com a nossa condição de alumnos, no sentido mais literal da etimologia da palavra. E um dia, enjoada de promessas não cumpridas, de desaforos engolidos, de injustiças sem desculpas, saí.

Este foi meu crime: pensar em mim. Saí sem olhar pra trás. Após algum tempo, descobri, eles mesmos se encarregaram de fechar a porta.
Eu era uma traidora.
Não abandonei minha paixão, apenas resolvi dar margem à minha livre busca por ela.
Eu era uma traidora.
Mas a minha consciência estava limpa.


Enquanto isso, na sala do trono...

Se quiser conhecer os textos de Mrs. Dean, acesse http://flsfsvans.blogspot.com/

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Not so far.

Pra começar, eu deveria pedir perdão de joelhos por toda essa minha ausência louca e doentia. Acabo de perder, assim, minha mísera meia-dúzia de leitores. Mas tudo bem. Já perdi a cabeça, o estômago e a sanidade, que mal há em perder leitores?

Olha, quer saber de uma coisa? Tô pirando. Mesmo. O mundo tá me pirando, o tempo tá me pirando, os estupros temporais pré-vestibular também estão me pirando. A recém-descoberta gastrite (nervosa, que fique bem claro!) acaba comigo e com todo o meu esquema de alimentação. As crises de falta de ar, sintomas de ansiedade, também. Em suma: acho que dormir, comer, respirar e andar de bicicleta só existe mesmo em filmes.

Esse calor insuportável parece que tá correndo atrás de mim que nem o Cascão corre de água. Os dias não são nem um pouco amenos, ora muito quentes, ora chuvosos demais. E o pior: só chove no molhado. Sinto uma indisposição que nenhuma grávida de nenhuma época na história seria capaz de sentir. Talvez todas elas se juntem e sintam pena de mim: "olha lá, tadinha! Sofrendo tudo o que juntas nós não sofremos em nove meses." Coisa horrorosa. Por falar nisso, peguei mania dessa palavra. "Horrorosa". Sei lá, talvez porque reflita meu estado de espírito.

Mudando de assunto, não vou mudar de assunto coisa nenhuma. Há dias o disco só roda desse lado. Me sufoca ser número. Me sufoca ser mais um numa lista de aprovações usada como publicidade e que não receberei um centavo em cima. Me irrita profundamente a voz doce com que ela chega dizendo para não pararmos no meio do caminho, não jogarmos a toalha, me irrita como ela olha nos nossos olhos e se sente tão materna. Me irritam os artifícios que ela usa para nos manipular e nos pressionar como se fôssemos marionetes prontas para cair num cenário desconhecido. Ninguém vai segurar meus fios na hora. Ninguém não vai querer nem saber se eu estou ou não disposta a me apresentar vulgarmente num teste físico e psicológico de proporções diabólicas, de passar horas e horas sentadas com o inimigo à minha frente. E foda-se tudo isso. E eu não quero que se foda. Acabo de me contradizer. Foda-se de novo. Não sei nem meu nome mais, vou saber o que digo ou o que faço? Me poupe. Ou melhor, foda-se.

Desculpem-me a vulgaridade do linguajar. Mas mais vulgar mesmo é o teste. Ele é quem deveria vir aqui me pedir desculpa de joelhos, massagear meus pés, minhas costas, me pôr numa hidromassagem, me dar champagne e me fazer um corte de cabelo ma-ra-vi-lho-so. Porque estou enlouquecida por causa dele. Ele rouba todas as minhas noites. Me tira o sono, a fome e invade meus dias mesmo sem eu querer. Me faz pensar em mil coisas ao mesmo tempo, delirar, sentir frio e calor simultanamente. E olha que eu nem estou apaixonada. Eu o odeio. Com todas as minhas forças.
Ponto final.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Täglich

Um quarto. Uma cama, um espelho, uma estante. Algumas pelúcias, muitos livros, certos papéis. Uma garota. Uma mente. Um corpo. Um cérebro, uma coluna vertebral, alguns músculos que doem. Muito. Milhões de sinapses. Pensamentos.

Uma janela. Aguns adesivos de jeans, uma cortina e uma vista. Duas árvores. Mil estrelas. Movimentos cósmicos. Átomos de hidrogênio. E de hélio. Reações químicas. Alguns planetas, outro tanto de luas, um sol vagando por aí. Um par de olhos. Curiosos e observadores. Movimentos sutis.

Uma televisão. Ligada. Um programa sensacionalista e emburrecedor. O tédio. O tédio. O tédio. Uma idéia. Um disco de vinil. Uma música. Uma cama. Um par de olhos. Fechados.
Mais sinapses. Mais pensamentos. Mais lembranças. Mais sensações. Dois ou três nós na garganta. Um chiado. Uma agulha. Fim do disco.

Cores. Formas. Um vazio. Um par de olhos muito bem fechados. O mesmo par de olhos. Muito abertos. Imagens P&B. Um lugar estranho. Construções inacabadas. O meio da tarde. Pássaros. Areia. Terra. Muros. Buracos grandes de janelas. Vestes no estilo do começo do século. O passado, é claro. Passos. Largos, curtos, errantes, certeiros. Círculos. Oscilantes. Espiralados...

Cores. Formas. Um vazio. Um par de olhos muito bem abertos. O mesmo par de olhos. Muito fechados. Imagens coloridas. Sensação de estar num lugar conhecido.

"A história só se repete como farsa"
Karl Marx

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Quant le nostalgie...

"Mudaram as estações, nada mudou
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu
Está tudo assim tão diferente...
Se lembra quando a gente
Chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre, sem saber
Que o pra sempre sempre acaba...
Mas nada vai conseguir mudar o que ficou
(...)
Mesmo com tantos motivos
Pra deixar tudo como está
Nem desistir, nem tentar agora tanto faz
Estamos indo de volta pra casa..."

Ah, e esse poder que têm as fotos, os cheiros, as músicas, os gostos, os gestos, todo esse enormíssimo poder que eles têm de nos transportar rapidamente pra alguma espécie de universo paralelo chamado passado?

É incrível como só conseguimos sentir os efeitos de nossas decisões a longo prazo, não é mesmo? Sempre que tomamos alguma atitude, somos os mais machões em dizer que em nada mudará nossa vida. Só quando nos deparamos com alguma situação em que desejaríamos ser abraçados pelos "duendes" do passado é que nos damos conta o quão fomos frios, e que agora, tudo está perdido.

Os duendes podem até voltar algum dia... mas a época, ah!, a época, a melhor e mais linda época, vai ficar guardado em algum lugarzinho do passado, bem longe, bem distante, naquele lugar deserto e crepuscular que parece que deixa de existir num passe de mágica, e num piscar de olhos volta juntamente com todos os seus demônios... e é bem nesta hora que você, fragilizado, põe-se a se lembrar de todos os detalhes daquilo que já passou.

E dói tanto! Pois você sabe que o único motivo pelo qual você se lembra disso tudo hoje com tamanha saudade são as decisões que você toma.
(É claro que as coisas seguem seu curso natural e tudo tem uma razão de ser, mas... quem é que se lembra disso?)
Enquanto isso, no lustre do castelo...

Feliz dia dos namorados à todos aqueles que estão compromissados hoje. Tenham a fineza de passar bem longe de mim com seus fofinhos, tchutchuquinhos, cuticutinhos e nenenzinhos, porque eu nem sei mais quantos dias dos namorados eu passei solteira! Mato mesmo ;)

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Para falar da morte de alguém que amo.

"Vês? Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!"

Versos Íntimos - Augusto dos Anjos

Postei mesmo pra simbolizar a morte repentina de alguém que amo muito. Alguém que criei, perdi noites de sono e dias a me dedicar, alguém que mudou a mim mesma para depois partir sem motivo aparente. Alguém que amava como amiga, como filha, como mãe. Alguém que me deve sua vida, e ao mesmo tempo devo minha vida a ela.

Não estou falando sobre alguém de carne e osso. Trata-se de um valioso - imensuravelmente valioso - pedaço de papel.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Sonho de uma tarde de verão.

"Talvez seja verdade que duendes existam, que fadas estão por aí, que fiandeiras teçam nosso destino aos pés de uma árvore. Faz-me bem esta crença. Faz-me bem cheiro de terra com lenha. Faz-me bem tardes chuvosas com músicas nostálgicas. Faz-me bem o ato de mexer no cabelo dos outros. E faz-me bem mexerem no meu cabelo.

Passei a definir a minha verdade. Definitivamente, não quero seguir nessa estrada com um peso morto em minhas costas. Não quero segurar uma pedra onde minha opinião foi gravada a ferro por terceiros. Pretendo escrevê-la a lápis num bloco de notas barato, para que ela possa estar sempre aberta a mudanças. Lapidá-la-ei com o tempo, com a mesma calma que um joalheiro lapida um delicado diamante. Só quero que no final ela valha todo o meu esforço. Valha cada passo dado, cada centímetro desta jornada.

Mas enquanto eu estiver caminhando, vou me demorar todo o tempo que for possível. Vou sentar em todas as copas de árvores grandes e confortáveis onde eu souber que existam serezinhos mágicos. Vou olhar em cada espelho que souber que poderá aumentar minha neurose quanto a cabelos, espinhas, sobrancelhas. Vou parar em cada esquina onde tocar um som vibrante de rock'n'roll e eu souber que lá posso encontrar pessoas rindo e batendo os cabelos. Vou me afastar da minha personalidade para ser dominada por alguma outra bem mais interessante em cima de um palco, e pretendo me demorar o maior tempo possível por lá. Explorarei os cantos mais sujos desta nova personalidade, procurando nela alguma explicação para a minha própria. Vou sentar em algum lugar macio [às vezes, nem tão macio assim], fechar os olhos e viajar para outros mundos na primeira nota de flauta que me vier à mente. Pretendo me sentar numa pedra e contemplar o pôr-do-sol em todos os dias que chovam bastante, esses mesmos que deixam o final da tarde com um lindo brilho rosa e laranja. Quero parar em algum lugar e ler romances folhetinescos à luz de vela. Outras vezes, não precisam ser tão folhetinescos e nem tão precariamente iluminados assim.

De uma coisa eu tenho certeza, mesmo que seja a filosofia mais barata do mundo: este segundo não volta, e não tenho chance de consertá-lo a menos que eu faça o próximo valer dez vezes mais a pena. Portanto, é só isso que quero a partir de hoje: fazer valer a pena. Não importa como, quando, onde e nem por que. O que importa é que tudo deve valer a pena. "

Parido por mim, em algum dia frio de dezembro de 2008.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Balada para um louco.

"Num dia desses... ou... numa noite dessas... você sai pela sua rua, ou pela sua cidade, ou sei lá, pela sua vida... quando de repente, por detrás de uma árvore, apareço eu: mescla rara de penúltimo mendigo e primeiro astronauta a pôr os pés em vênus!

Meia melancia na cabeça, uma grossa meia sola em cada pé, as flores da camisa desenhadas na própria pele e uma bandeirinha de táxi livre em cada mão. Você ri? você ri porque só agora você me viu. Mas eu flerto com os manequins... o semáforo da esquina me abre três luzes celestes e as rosas da florista estão apaixonadas por mim! Juro, vem! Vem, vamos passear!

E assim meio dançando, quase voando, eu te ofereço uma bandeirinha e te digo: "já sei que já não sou, passei, passou. A lua nos espera nessa rua é só tentar. E um coro de astronautas, de anjos e crianças bailando ao meu redor te chama: 'vem voar'! Já sei que já não sou, passei, passou. Eu venho das calçadas que o tempo não guardou. E vendo-te tão triste, pergunto o que te falta. Talvez chegar ao sol - pois eu te levarei.

Ah! Louco, louco, louco! Foi o que me disseram quando disse que te amei, mas naveguei as águas puras dos teus olhos e com versos tão antigos eu quebrei teu coração. Louco, louco, louco, louco, louco! Como um acrobata demente saltarei dentro do abismo do teu beijo até sentir que enlouqueci teu coração, e de tão livre, chorarei.

Vem voar comigo querida minha, entra na minha ilusão super-esporte, vamos correr pelos telhados com uma andorinha no motor. Do Vietnã nos aplaudem: Viva! viva os loucos que inventaram o amor! E um anjo, o soldado e uma criança repetem a ciranda que eu já esqueci... Vem, eu te ofereço a multidão, rostos brilhando, sorrisos brincando. Que sou eu? Sei lá, um... um tonto, um santo, ou um canto a meia voz. Já sei que já não sou, nem sei quem sou. Abraça essa ternura de louco que há em mim... derrete com teu beijo a pena de viver.

Angústias, nunca mais! Voar, enfim, voar! Ama-me como eu sou, passei, passou. Sepulta os teus amores vamos fugir, buscar numa corrida louca o instante que passou, em busca do que foi, voar, enfim, voar! Viva! Viva! viva os loucos que inventaram o amor!"


Bem, como devem ter percebido, este texto [ou música] não é meu. Mas me traduz tanto, tanto, que seria até um crime deixar de postá-lo aqui!
Boa noite, ;*

terça-feira, 26 de maio de 2009

Sobre ser ou não ser - gauche na vida.

"Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida."

Desde pequena, sempre gostei muito de sonhar. O sonho me fazia bem, a dança, a música, o teatro, a poesia (e a prosa), a vontade de descobrir, de perguntar. "Tudo era matéria às curiosidades de Capitu" - mas a minha Capitu pouco perguntava e muito falava. Minha Capitu era daquelas que gostavam de esquecer da vida vendo a vida passar, vendo a estrada passar, vendo a chuva passar. Minha Capitu era curiosa. Minha Capitu queria descobrir e jamais ser descoberta. Até que um dia minha Capitu se descobriu.

Não foi preciso nenhum anjo torto dizer para ela ser gauche na vida. Talvez a vida tenha se encarregado de dar a ela esta notícia, talvez as barbies que viviam espalhadas pela casa a tenham avisado. Mas um dia, a menina pegou o globo terrestre e começou a "internetar" com aquela bola de madeira pintada. E ela se divertia tanto! Conversou com gente de todos os cantos do mundo. E é claro que ela conversou - como se explica tamanha sinceridade na brincadeira de uma criança de poucos anos?

A pequena gauche lia livros que ninguém lia, ouvia músicas que ninguém ouvia, usava roupas que ninguém vestia (talvez ninguém fizesse nada disso por excesso de realidade e vergonha na cara). A gauche fazia planos que ninguém fazia. Ela queria tudo o que ninguém imaginava...

Capitu ainda quer descobrir o mundo. Quaisquer que forem os meios, ela ainda quer. Não importa o que digam (afinal, tudo o que já tinha de ser dito de relevante, já foi dito e relevado por muitas vezes, embora ela ainda - infelizmente - ouça muita besteira que ainda falam por aí).

Nada tira da cabeça dela o sonho de descobrir o que tem do outro lado do oceano, a perder de vista. Ela sonha em ver como é o céu nesses lugares (é o mesmo no mundo inteiro, mas como muda!). Gostaria também de saber como esse pessoal come e que se come. Porque acho que ver comendo é o melhor jeito de descobrir a identidade de um povo.

Queria sair por aí, dormindo em lugares desconhecidos, com pessoas desconhecidas, falando idiomas desconhecidos sobre coisas desconhecidas. Queria viajar por aí, vendo tudo como se fosse a única vez que eu fosse ver na vida, enfim, queria viver um dia de uma vez, uma coisa de cada vez, uma sensação de cada vez...

Aliás, "eu não devia te dizer/ mas essa lua/ mas esse conhaque/ botam a gente comovido como o diabo!"

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O tempo não pára

E quer saber? Não pára mesmo. Ou quem pára é o tempo e eu não, sei lá.
Só sei que ando muito cansada.
É incrível a capacidade que ando tendo de deitar e dormir durante horas a fio. Ou mais ainda, deitar e não conseguir dormir durante horas a fio. Agora, não me perguntem o porquê. Era só o que eu queria saber: pra onde vai me levar todo esse stress.
Me colocando onde eu quero, tá bom.
Mas desde quando eu sei o que quero?

Como post de inauguração gostaria de postar alguma coisa que me fizesse bem, mas exaustão é a única coisa que me vem à cabeça. E de tão exausta por só pensar em exaustão, me sinto exaustivamente cansada para escrever um post que não causaria metade da exaustão que horas de biblioteca me causam. Inclusive, é fantástico escrever quando quero, como quero, na hora que quero... mas agora alguma força maior, sobrenatural e quentinha chamada cama me atrai de um modo assombroso. E olha só, ainda são 21h45!

Acho que está bom por hoje. Não ficou lindo como eu planejava e nem péssimo como eu temia.
Isso foi um post. Só um post, sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada.