segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Por trás do Backstage*

Mrs. Dean, minha amiga, escreveu uma vez sobre certo grupo "pálido, extremamente pálido", num texto que intitulou "Backstage". E é sobre isso que quero tratar.

Dean sentiu na pele o que eu, Julia, venho falar aqui hoje. Sentíamos juntas. Mas éramos pálidas e extremamente opacas. Ou melhor, não éramos nada disso: mas faziam-nos acreditar que nunca brilharíamos. E nunca seríamos melhores do que Cecília. Ledo engano.

Vivi durante anos com promessas e dívidas. Muito aprendi, confesso, sobre arte e vida acima de tudo. Éramos confinados ao ar livre, éramos explorados a olhos vistos. A cada trabalho novo, uma esperança renovada, dedicação sem fim. E Cecília, a mimada e inatingível Cecília, apodrecia numa mortalha feita com tecidos caros (e os mais belos do espetáculo). Certa vez, ali, morara uma beleza sem tamanho, ofuscante. E de tão ofuscante cegou nossos mestres, que não enxergavam em seus olhos a corrupção que ali agora habitava, e a enalteciam mais e mais. Ela mandava, fazia o que bem entendia e nunca, nunca era capaz de demonstrar gratidão. E foi vivendo neste meio tóxico que, de certa forma, perdi uma parte da minha vida.

Perdíamos dias, noites, aulas e eventos trabalhando para terceiros. Éramos submetidos à tarefas que não nos diziam respeito, sob pena dos atos mais injustificáveis. Tomavam nossas criações, nossas obras mais impecáveis de nós. Trabalhávamos duro. Dávamos o nosso melhor. E pagávamos por isso. Pagávamos para sermos injustiçados, chorávamos às escondidas, desabávamos no colo dos mais confiáveis, mas nos mostrávamos fortes, forjadamente fortes. Levávamos desaforos de Cecília para casa e tínhamos que nos conformar com a nossa condição de alumnos, no sentido mais literal da etimologia da palavra. E um dia, enjoada de promessas não cumpridas, de desaforos engolidos, de injustiças sem desculpas, saí.

Este foi meu crime: pensar em mim. Saí sem olhar pra trás. Após algum tempo, descobri, eles mesmos se encarregaram de fechar a porta.
Eu era uma traidora.
Não abandonei minha paixão, apenas resolvi dar margem à minha livre busca por ela.
Eu era uma traidora.
Mas a minha consciência estava limpa.


Enquanto isso, na sala do trono...

Se quiser conhecer os textos de Mrs. Dean, acesse http://flsfsvans.blogspot.com/