segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Etéreo

"Não quero mais saber de lirismo que não é libertação"
Manuel Bandeira


Meu futuro é um borrão estranho e disforme e esquisito onde não vejo nada menos do que tenho pretensão de ver. É um vórtice de espaço-tempo onde gravita apenas minha inconstância inerte e inerente à matéria do meu curioso ser. É uma tela de mil por mil metros onde enxergo tudo preto branco vermelho e colorido até demais, meio igual aos sonhos, meio igual à realidade, um pouco de pintura abstrata e voilà, quem sabe Pablo Picasso não tenha iniciado nesta tela seu maravilhoso cubismo em sua fase rosa? Ou quem sabe, não. Ou quem sabe, quem sabe?

É difícil perguntar a algum míope como ele se enxerga: para fazê-lo com nitidez, só tendo óculos muito bons ou estando perto do espelho. Descartando neuroticamente a hipótese dos óculos (salva-me do oftalmo!), prefiro deixar-me aproximar do espelho. Problema é que estando o espelho muito longe, tenho apenas idéia do que não verei, mas não tenho idéia do que posso ver, em absoluto. Tudo o que não quero é ver-me numa casinha além do arco-íris dando casa comida roupa lavada passada e engomada para alguém que trabalha o dia todo e à noite brinca depressivamente com um cachorro vira-lata fofinho ao mesmo tempo que assiste ao Jornal Nacional e come inexpressivamente aquela mesma comida sem-graça de sempre, depois dá boa-noite e deita e dorme até a hora de o despertador tocar, obrigando-nos a repetir a mesma rotina tediosa e infernalmente cansativa, assim como ontem, hoje e sempre, amém.

Minha pretensão de ver não vai além de poucos sonhos quase-que-utópicos, ou como chamariam as outras pessoas (aquelas que se dizem normais), porra-louquice. Quero me ver amanhecendo num lugar completamente estranho e tão lindo e tão sonhado, com alguns poucos trocados no bolso e uma roupa que já estou há dias por trocar. E, ao olhar dentro daquela tão surrada e companheira bagagem, ver lá tudo o que quis: uma câmera fotográfica velha antiga preta-e-branca que já registrou a Torre Eiffel e o Big Ben e o Coliseu e o terrível temível esquecível Auschwitz, entre tantas outras inúmeras coisas a mais.

Quero fazer minha voz chegar a mil pessoas. Quero ir a mil lugares. Quero decorar mil textos e apresentar mil peças e falar mil idiomas. Quero conhecer mil pessoas. E ser extremamente compassiva com uma delas, apenas e nada mais do que uma delas, tão irritante e enjoativamente compassiva que a pessoa vai desenvolver uma birra mortal contra minha pessoa e nunca mais quererá me ver e nem chegar perto de mim, oh céus, porque fui compassiva: motivo banal, tão banal quanto pode ser a vida nesse emaranhado de estrelas chamado Via-Láctea. E ponto.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O mundo é cão, Sebastião.

Não sei ordenar belas palavras e nem escrever sobre coisas bonitas quando estou mal ou nem-tão-bonitas quanto estou meio-mal ou coisas más quando estou feliz ou qualquer coisa do tipo possível, imaginável, inimaginável, e blá. O fato é que não sei escrever. Não consigo, não flui, tenho um terível horroroso perigoso bloqueio mental continental interfluvial que gela. Meu senhor jesus maria josé, estou num bloqueio. HÁ. Parei de pensar, bip, câmbio desligo, bip.

E até que enfim, eu não aguentava mais ter que pensar em coisas bonitinhas e blá, coisas bonitinhas me enchem o saco, blás também me enchem o saco porque representam uma infinidade de idéias não-contínuas segmentadas em círculos ou espirais; aliás, espiral é o verdadeiro símbolo de infinito porque engloba tudo e não acaba. Adeus, oito deitado, tirei seu posto e passei pra uma espiral esquisita. Bip, câmbio desligo de novo, bip.

Há alguns dias parei de saber o que é jornal, apostila, juízo, lista de presença e blá. Estou num ostracismo opcionalmente desejado, ah como é bom não saber o que se passa no senado uma vez na vida. Pode me chamar do que quiser, mas eu digo, repito e treafirmo, desgraça enjoa. E puta merda, como enjoa. E a minha garganta dói e minha cabeça explode e meus sentidos estão cambaleando há três dias, e não é desgraça mas dói.

A Teka é um cão de Deus. Era tudo o que eu precisava ouvir. A Teka é um cão de Deus enquanto Bonzo é um animal cruel que dorme com uma camiseta velha do Iron Maiden. E tudo nesse mundo é um trio elétrico piscante, uma vez que estamos com as luzes de natal enfeitando a cidade, papais-noéis por todos os cantos distribuindo balas em caminhões de coca-cola, as lojas abrem até tarde encorajando todos a gastarem quatro horas a mais do seu dia e do seu salário, além das máquinas de churros que funcionarão até mais mais mais tarde do que de costume, afinal, a Teka é um cão de Deus, e Bonzo é fêmea. O pobre mundo está de cabeça pra baixo e ninguém parece se importar com cachorras que têm nomes de cachorros.

Passei o dia alimentada por cataflan, uma crônica do Ferreira Gullar e um pedaço pequeno de lasanha, e já são quinze pras cinco. Não estou de pijama, embora eu deseje isto ardentemente. Me ofereceram uma cerveja, não aceitei, maldito seja o juízo e a inflamação na garganta. Escrevo coisas sem sentido. Meu namorado não me ligou, o calor está escaldante e minha cachorra dorme no sofá, enquanto a minha mãe se delicia num banho provavelmente gelado. Como é bom não ter stress e poder falar qualquer porcaria que me vem à cabeça. Como é bom dormir sem acordar desesperada e sem ar no meio da noite, gritando Ê É IGUAL A ÊME VEZES CÊ AO QUADRADO! Como é bom pensar que toda esta porcaria de vestibular acabou e eu vou ter que me preocupar com isso só semana que vem, quando saírem as listas de convocação pra segunda fase. Como vai ser massante ler uma bibliografia monstruosa, preparar uma cena e recapitular matérias de três anos. Em um mês. Vai ser bom. Vai ser difícil. Mas dia vinte e cinco vou comer peru, e isso ninguém me tira da cabeça.

Bip. Câmbio desligo. Bip.
Parou de fluir.