domingo, 29 de agosto de 2010

Brain Damage

"I've always been mad, I know I've been mad, like the most of us have. Very hard to explain why you're mad, even if you're not mad."

vozes ouvidas em Speak to Me, Pink Floyd


Eu devo ter enlouquecido.

Sempre que me sentia mal, triste, estranha no ninho ou qualquer outro adjetivo pertinente, repetia o ritual: fechar a persiana, acender um incenso de melancia e ligar o LP do Dark Side of the Moon num volume amigável. Deitava na cama e lá ficava, até sentir uma coisa estranha, não sabia se era sono, se era leveza, sabia apenas que era uma sensação estranha de liberdade que tantos lutam ilicitamente para conseguir.

E hoje foi um desses dias. Me sentia mal, triste, estranha no ninho e todo e qualquer adjetivo pertinente. Resolvi que faria meus ritos de liberdade.

Eu devo ter enlouquecido.

Fechei a persiana, acendi um incenso de melancia e liguei o LP do Dark Side of the Moon num volume amigável. Me deitei na cama e lá fiquei, até que veio uma estranha sensação com o início de Speak to Me/Breathe. "Deve ser brincadeira", pensei. Mas não era.

A sensação estranha perdurou até os primeiros sinais de On The Run. Depois disso, piorou. "Deve ser brincadeira", cogitei mais uma vez. Lá estava um disco conceitual de quase quarenta anos atrás rindo de mim. Respirei. Fechei os olhos. Descobri que era impossível mantê-los fechados por um período maior do que meio segundo. Abri os olhos. Constatei que, paradoxalmente, era impossível deixá-los aberto por mais de zero vírgula cinco segundos. Virei para um lado. Virei para o outro. E aquela música tão surreal parecia zombar de mim, entrava em meus ouvidos, saía, bagunçava, desarrumava a ordem insensata de pensamentos e sinapses, quebrava toda a lógica sem nexo de uma vida toda de incertezas. E parecia impossível escutá-la. Mas ela estava lá, exprimindo o inexprimível, como faziam os poetas malditos do Simbolismo. E estes poetas malditos se levantaram todos para rir de mim, para tocar sirenes, para conversar como se fossem enfermeiras ou secretárias ou qualquer que seja a voz de fundo desta música, quer dizer, não sei se é uma música. E ela ficava lá, ziguezagueando em seu volume, só as sirenes e risadas e vozes que não se alteravam, mas seu volume se alterava, seu ritmo se quebrava, sua harmonia era etérea para uma faixa de pouco mais de três minutos. Levantei. Desliguei o toca-discos.

Sabe-se lá por que o liguei de novo.

Passei a faixa, e os relógios loucos e zombeteiros de Time riram de mim outra vez. Assustei num primeiro momento. Depois me tranquilizei olhando para a fumaça que saía do incenso formando desenhos no ar, e me perdi outra vez. Não, não, não, não pode ser possível. Desta vez não a música, mas a fumaça se ria de mim. E uma sensação muito mais estranha do que as outras sensações estranhas resolveu que não me daria sossego. Aquela melodia é doce, a delgada coluna de fumaça que saía do incenso era belíssima, mas não se sabe por que isso começou a me deixar tão exasperada. Desliguei o toca-discos, desta vez por definitivo.

Eu era o lado escuro da Lua.